Como se noticiou no UOL, no jargão do mercado, a partir das manifestações pró-impeachment do dia 13 de março e da avaliação de um iminente desmoronamento da coalizão governista no Congresso Nacional, o “cenário-base” que prevê a derrubada do governo Dilma estaria na ordem de possibilidade de 65 % a 75 % entre os analistas de grandes instituições de consultoria financeira. O dólar flutua para baixo e as bolsas para cima, ao sabor das especulações.
O fato é que, após o editorial do New York Times do dia 18 de abril, o The Economist dá uma capa em favor do afastamento da presidente eleita do Brasil. Não há mais dúvida que o capital financeiro internacional, com sua força geo-política, está apoiando e organizando o golpe na democracia brasileira.
Em um artigo publicado nesta mesma Agência Carta Maior, em dezembro de 2014, “Um escândalo chamado Armínio Fraga”, documentávamos a presença deste homem de Wall Street e do grande banco norte-americano JP Morgan como orgânico a toda estratégia do PSDB nas eleições. O PSDB havia migrado definitivamente da condição de um partido da Avenida Paulista para Wall Street, organizando um novo programa radical neoliberal de guerra aos direitos sociais e de privatização do setor público brasileiro.
Em março de 2014, Emy Shayo, analista do JP Morgan, havia coordenado uma mesa entre publicitários conservadores brasileiros com o tema “Como desestabilizar o governo Dilma?”. No momento decisivo do final do primeiro turno das eleições de 2014, foi novamente o JP Morgan quem organizou um seminário de grandes banqueiros de Wall Street para ouvir Fernando Henrique Cardoso e sua diretiva de apostar as fichas em Aécio Neves e não em Marina Silva para a disputa do segundo turno.
Foi apenas em 1981, dezessete anos após o golpe militar, com o trabalho de René Armand Dreifuss, no livro “1964: A conquista do Estado ( Ação política, poder e golpe de classe)”, apoiado em ampla documentação resultante de pesquisa em arquivos norte-americanos, que o caráter classista do golpe de 1964 foi ao centro das análise. Ele documentou as relações entre o IPES/IBAD e os lobbies de financiamento americano para a eleição de deputados golpistas desde 1962 até a campanha de desestabilização final do presidente Jango Goulart. Certamente, as ilusões pecebistas sobre a existência de uma burguesia nacional progressista dificultaram e retardaram este entendimento.
Três razões
A primeira razão está bem enunciada no documento do Dieese sobre o balanço das greves em 2013, uma dinâmica que prosseguiu em grandes linhas até o final de 2014. Enquanto todos os olhos estavam voltados para as espetaculares manifestações de ruas de junho de 2013, estava se registrando o maior ciclo grevista de luta dos trabalhadores por seus direitos desde que a série histórica se iniciou em 1978. Se em 2012 havia ocorrido em todo o país 877 greves, em 2013 esta dinâmica saltou para 2050 greves!. O número de horas paradas que havia sido de 86.921 em 2012, saltou para 11.342 horas paradas em 2013, envolvendo dois milhões de grevistas. Pelo acompanhamento do Dieese, 80 % dos movimentos grevistas obtiveram êxito! A forte ampliação do número de grevistas, de greves e horas paradas, na avaliação do documento do Dieese, correspondia a um desbordamento do centro para a periferia, das categorias tradicionalmente mais organizadas para aquelas com menor tradição grevista, em um quadro de menor desemprego e maior formalização do mercado de trabalho.
O golpe na democracia brasileira, viria, então, quebrar de vez este movimento ascensional de lutas classistas e de conquistas de direitos. A “eleição” de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, sob pressão do mercado financeiro, revelou-se um instrumento instável, insuficiente e inseguro. Seria preciso, por o governo do Brasil, com sua força, seu poder repressivo e seu poder de agenda em choque frontal com o movimento classista democrático dos trabalhadores.
A segunda razão está didaticamente exposta em um documento do Diap, assinado por Antônio Carlos Queiroz. Ele elencou cinqüenta projetos de lei anti-trabalhadores e anti-populares, racistas e machistas, em andamento no Congresso Nacional que, em seu conjunto, desorganizam todo o sistema de direitos democráticos previstos na Constituição de 1988 e acumulados pelas lutas dos movimentos sociais desde então.
Entre eles, na Câmara Federal, a terceirização total das relações de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado e o impedimento do empregado demitido reclamar na Justiça do Trabalho seus direitos. Até a legislação que coíbe o trabalho escravo seria adulterada! No Senado, a regulamentação e retirada do direito de greve dos servidores públicos, a privatização das empresas públicas, a independência do Banco Central. Estão previstas, a desvinculação dos recursos orçamentários de porcentuais obrigatórios para a saúde e a educação pública, a desindexação do reajuste anual do salário-mínimo em relação à inflação e ao crescimento do PIB, a desindexação do piso dos benefícios previstos previdenciários e assistenciais do valor do salário-mínimo. Seria iniciado, então, um novo ciclo de arrocho salarial e de destruição das políticas públicas no Brasil.
A terceira razão é de ordem geo-política e econômica e diz respeito à política externa soberana do Brasil, à política para os Brics, à posição da Petrobrás no mercado mundial de petróleo, ao peso do Brasil no recente ciclo progressista e distributivo das democracias na América Latina. O golpe viria criar uma nova época de domínio norte-americano na América Latina, impondo um novo cerco à revolução cubana em crise. Ao mesmo tempo, trilhões de dólares do patrimônio do Estado brasileiro seriam colocados à disposição da rapina do capital financeiro internacional.
Como alerta Antônio Carlos Queiroz, seria necessário após o golpe criminalizar o movimento sindical brasileiro em larga escala, mais além dos movimentos sociais. Não se aplica um programa tão radicalmente anti-popular sem doses maciças de violência.
A assembléia dos quatro mil operários da Ford contra o golpe , em São Bernardo do Campo , e a bela e decisiva reunião de Lula com lideranças sindicais, de todo o país, de sete centrais brasileiras, neste dia 23 de março vem estabelecer um novo marco na luta classista democrática contra o golpe dos patrões.
FONTE: Carta Maior