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Leia o artigo de Alex Custodio que integra a Nota Técnica “Política Industrial a Serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil”. O texto foi escrito em outubro de 2023.

Enquanto este texto é escrito, Detroit, a cidade-símbolo da indústria automotiva nos Estados Unidos, vive uma paralisação histórica. Trabalhadores das três maiores montadoras da região – General Motors (GM), Ford e Stellantis – cruzam os braços, desde setembro, para exigir não apenas aumentos reais de salários e melhores condições de trabalho.

No centro da greve está a transição tecnológica no setor – dos veículos com motor a combustão interna para veículos elétricos, movidos por meio de baterias. Os metalúrgicos norte-americanos, sob a liderança do maior sindicato da categoria – o United Auto Workers of America (UAW) –, querem debater o futuro do trabalho.

É inevitável que em poucos anos – e a começar pelos países ricos – o modelo a eletricidade se torne o padrão para carros de passeio e comerciais leves. Existe, antes de tudo, o apelo da sustentabilidade: automóveis a bateria provocam menos impactos ambientais.

Mas existe o fator econômico: como o modelo elétrico demanda menos peças, as fábricas já planejam fechar centenas (talvez milhares) de postos de trabalho. Segundo Jim Farley, presidente-executivo da Ford, a produção de veículos elétricos é possível com apenas 60% dos operários que fabricam hoje carros a combustão.

Em Detroit, a legislação atribui poderes importantes aos sindicatos nas negociações coletivas. Esta é uma das razões pelas quais as montadoras de veículos elétricos estão fugindo da região e se instalando no sul dos Estados Unidos, onde as leis são mais hostis ao movimento sindical. Não faltam razões, como se vê, para nossa solidariedade aos trabalhadores em greve.

Uma das lições que a paralisação em Detroit deixa para sindicatos de todo o Planeta – em especial aqueles que representam trabalhadores da indústria – é que nossa luta não se resume às reivindicações trabalhistas cotidianas, tradicionais. Dominar temas políticos, econômicos, sociais e culturais, tomando ciência de suas implicações no dia a dia dos trabalhadores, é uma tarefa fundamental das entidades sindicais.

A Nota Técnica que a CTB apresenta sobre a indústria nacional, fruto de pesquisa desenvolvida pelo economista Diogo Santos, tem muito a nos ajudar nesse sentido. Fenômenos como a transição para veículos elétricos ou mesmo a chamada 4ª Revolução Industrial (Indústria 4.0) terão desdobramentos em todo o mundo, ainda que em ritmos diferentes. Mas a crise do setor no Brasil, que vive uma dramática desindustrialização desde a década de 1980, exige análises mais específicas e profundas.

No caso do setor automotivo – um dos segmentos industriais em que a CTB tem mais representatividade entre os trabalhadores –, o cenário nacional é adverso. Trata-se de um parque industrial com 26 fabricantes de autoveículos e máquinas agrícolas e rodoviárias, além de quase 500 autopeças.

A capacidade brasileira de produção é de 4,5 milhões de automóveis por ano, mas os emplacamentos anuais são da ordem de apenas 2,3 milhões. Nosso pico, alcançado em 2013, foi de 3,7 milhões de veículos. Enquanto isso, em 2022, a China fabricou mais de 27 milhões de automóveis, o equivalente a 32% do total de 85 milhões de veículos produzidos no mundo.

Sem uma única montadora brasileira, nossa indústria automobilística – que responde por cerce de 2,5% do PIB nacional – está vulnerável frente às grandes multinacionais estrangeiras. Essas empresas mantêm o centro de decisão e desenvolvimento tecnológico em suas matrizes, deixando o setor no Brasil subaproveitado em termos de investimento em pesquisa tecnológica, inovação e geração de empregos altamente qualificados.

Embora sejam relativamente poucas, as montadoras levaram o setor a ser um dos que mais recebem incentivos fiscais no País, conforme mostrou um levantamento da Folha de S.Paulo, com base em dados da Receita Federal. Segundo o jornal, “a indústria automotiva foi beneficiada com R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais da União entre 2000 e 2021, em valores corrigidos pela inflação”.

A contrapartida nem sempre é clara – e muitas vezes os trabalhadores são prejudicados. O surpreendente fechamento das três fábricas da Ford no País, em 2021, é um exemplo dos riscos a que estamos submetidos. Mais de 5 mil metalúrgicos foram demitidos de uma só vez. Desde 1999, a montadora norte-americana havia recebido nada menos que R$ 20 bilhões em incentivos fiscais.

Não que o apoio do Estado seja desnecessário. Sem a Zona Franca, por exemplo, Manaus não teria alcançado seus atuais patamares de industrialização e desenvolvimento. Mesmo com concorrentes de peso, a capital do Amazonas é uma das três maiores bases metalúrgicas do Brasil, ao lado da cidade de São Paulo e do ABC Paulista.

Em Betim (MG), se não fossem robustos incentivos fiscais e financeiros, a Fiat jamais teria instalado uma fábrica em plena década de 1970. Na época, o estado de São Paulo abrigava 11 das 12 montadoras de carros e 90% da indústria de autopeças no País. Mas, no longo prazo, a aposta se revelou bem-sucedida: a planta em Betim é a que mais produz veículos da Fiat no mundo, o que ajuda a montadora a ser também a líder mercado brasileiro desde 2021.

Num momento em que montadoras asiáticas – com destaque para as chinesas – avançam no mundo, o governo Lula acertou ao editar, em maio, a Medida Provisória 1.175/2023, que reduziu impostos de automóveis e tentou impulsionar a cadeia produtiva. O impacto imediato nas vendas comprovou que há margem para crescimento do setor. Por sinal, o Brasil tem, em média, um veículo emplacado para cada 4,7 habitantes. A taxa nos países desenvolvidos é de 1,2 habitantes por veículo.

Ainda assim, uma economia de juros tão altos, crescimento estagnado e ausência de políticas de longo prazo não é capaz de viabilizar uma retomada mais vigorosa da indústria automotiva. Para crescer, o setor precisa de políticas macroeconômicas e industriais mais favoráveis e alinhadas, com incentivo ao conteúdo nacional. Há margem para mais fábricas, mais inovação, mais responsabilidade ambiental e social – e, claro, mais valorização dos trabalhadores.

Para os sindicatos, é preciso pensar numa perspectiva de longo prazo em relação à vulnerabilidade perante os ciclos econômicos e à intensa automatização da indústria global. Além da luta por emprego, salário, saúde, segurança e jornada de trabalho, a qualificação permanente dos trabalhadores (bem como dos sindicalistas) será, cada vez mais, uma questão central. Notas Técnicas como esta da CTB chegam em ótima hora.

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